Marte, a Lua e a mamografia
Clotilde Tavares | 25 de agosto de 2009Depois de amanhã, na noite de 27 de agosto, muita gente vai ficar de olhos pregados no céu por toda a madrugada atendendo a um boato que se espalhou pela Internet. A notícia – que todo ano chega às nossas caixas de e-mails e é repassada por gente crédula – é de que Marte vai surgir no céu quase do tamanho da Lua, em virtude de nesta data o planeta se encontrar na sua maior aproximação com a Terra. A notícia diz ainda que tal evento teria ocorrido pela última vez há quase sessenta mil anos e que o fenômeno só se repetirá daí a outros tantos anos.
Não há terreno mais propício à disseminação de boatos e maluquices do que a Internet. Tudo que ali (aqui) se coloca se espalha em progressão geométrica, principalmente – e muito curiosamente – se for algo ilógico e difícil de acreditar por pessoas que tenham o mínimo de sensatez. Toda semana sai um boato diferente, e quanto mais estranho e inverossímel for, mais rapidamente se espalha. As pessoas acreditam por uma simples razão: não usam o bom senso, não refletem sobre o que lêem, acreditam em tudo que lhes dizem e que lhes chega por e-mail.
Essa história de Marte, por exemplo. Para que o planeta vermelho pudesse aparecer do tamanho da Lua no firmamento, ele teria que estar tão perto que a interferência da sua gravidade sobre os oceanos terrestres causaria cataclismas que deixariam o tsunami da Tailândia no chinelo. É só conhecer o conceito da atração gravitacional que as massas exercem umas sobre as outras e ter noção das massas da Terra, de Marte e da Lua, coisas que, aliás, todo mundo aprende nos primeiros anos da escola e que até eu – que já passei da idade de ter obrigação de me lembrar das coisas – ainda me lembro.
A explicação científica deixo por conta dos pesquisadores do céu, que fui buscar no site do INPE. Eles explicam: “O tamanho aparente (no céu) de Marte varia de 3,1 segundos de arco a 25,1 segundos de arco, devido à variação contínua de sua distância à Terra. Por outro lado, o tamanho da Lua no céu é, em média, de 30 minutos de arco.” (Lembrem-se de que um grau equivale a 60 minutos de arco ou 3.600 segundos de arco, coisa básica de primeiro grau). “Isto significa que, mesmo em sua máxima aproximação da Terra, o planeta vermelho ainda continua sendo mais do que 70 vezes menor do que a Lua no céu.”
O site Quatrocantos também explica o fato, em linguagem mais acessível.
Finalmente isso me faz lembrar um trote que teria sido dado em Portugal. Foi notícia do jornal “O Globo”. Diz a matéria: “A ciência tem avançado tão rapidamente que algumas pessoas começam a exagerar na credulidade em relação ao alcance da tecnologia. O jornal português “Correio da Manhã” disse que dezenas de mulheres de São Bartolomeu de Messines tiraram a parte de cima da roupa em quintais, varandas, janelas e até mesmo na rua para fazer exame de “mamografia via satélite, pelo raio laser”. Em reportagem intitulada “Mamas ao léu”, o jornal garantiu que as portuguesas foram convencidas a tirar a roupa por uma mulher que, por telefone, se identificava como médica e elogiava as vantagens da “nova tecnologia de mamografia por satélite”. Para que se submetessem ao novo exame, a suposta médica afirmava, segundo o “Correio da Manhã”, que elas precisavam apenas ficar “num local visível”, de onde o “satélite as pudesse captar”.
Tudo não passou de um trote, é verdade, motivado apenas pelo pouco uso do bom senso e pelo desejo de acreditar e prodígios e fatos miraculosos. E, pelo visto, a epidemia desse tipo de trote apenas começou.
Aproveito para expressar o meu prazer com a leitura deste seu texto.
Uma das coisas que prezo consideravelmente é desmistificação de muitas, senãos de todas, crenças do senso comum.
Acredito que seu objetivo foi alcançado.
WM